segunda-feira, 31 de maio de 2010

Zola e Frazetta



 Essa incursão, hoje, no mundo do comentário de literatura, está ligadíssima com o tema do realismo e do romantismo em hqs de aventura. É só  ter paciência que se vê por onde.Enquanto isso, quem sabe, a gente hoje se diverte junto de um modo ligeiramente diferente... Pra começar, limitada essa capa, né? Quem já leu a prosa enfurecida desse mestre do folhetim popular não viu nada de tão estático, mas o mergulho apaixonado no mundo cujo panorama  traçava, acho que semanalmente, na grande imprensa, sob os olhos de todos. Émile Zola  (1840/1902) escreveu caudalosamente, e saiu sempre primeiro no jornal, sendo depois reunido em livro. O miolo de sua produção foi o ciclo dos Rougon-Macquart, uma  família presente nos pontos nodais da sociedade francesa, tais como ele os via (é claro). Assim, havia um Lantier no escuro dos subterrâneos espremidos, quando o terrível risco de vida, por parte dos trabalhadores, foi  parteiro do movimento sindical- "Germinal", esse conhecido clássico da literatura francesa, é o romance das  minas de carvão! Havia uma Lantier nos cabarés e prostíbulos elegantes frequentados pela nata da época - a própria "Nana" cuja desgraçada trajetória acompanhamos, nesse romance da difícil vida fácil! Havia um Lantier alucinado  domando um motor acelerado pelos caminhos , no romance das estradas de ferro! É " A Besta Humana" de que fala o título, que completa o trio de obras dele que li até agora. Todos têm em comum a ambição de "dar conta" de seu assunto, fornecer uma descrição exaustiva e acabada, que faça aparecer os sintomas das doenças! O naturalismo , realismo radical do qual esses  folhetins estão entre as expressões máximas, pretende ser um diagnóstico, compreendendo que atrás do se vê há o que de fato se passa. O que é que isso tem a ver com quadrinhos? Ora, vocês acham que, se Zola virasse hq, seria o hiperdetalhismo da hq de super-heróis, o tratamento mais adequado? De um realismo que se pretende sintomatologia? Não é  desenhar os músculos de modo preciso e bem no lugar que garante sua expressividade...Todos os grandes desenhistas sabem disso, saltando à mente , dois exemplos. Primeiro, o  óbvio, o do Frazetta, de quem aqui se tem falado; e também o do primeiro grande mestre do jogo de luz e sombra nas hqs, Milton Caniff, autor  de "Terry e os Piratas" e "Steve Canyon". Este formulou o problema assim: "Nunca desenho os músculos onde estão, mas onde parecem estar. " Ou seja, caindo na real, nossa percepção nunca é completa. Por isso, não se trata de detalhar, mas de aprofundar a pesquisa para saber usar os detalhes certos. Por isso, para um Zola, a literatura, a narração, tinha o dever de desvendar. Querer compreender, junto com o leitor. Lima Barreto escreveu, numa epígrafe, mais ou menos o seguinte: "Escrevo para que se compreenda em quinze minutos o que demorei uma vida para entender"- Ou por outra, já imaginaram um Frazetta que lesse Zola, que se quisesse realista??? Ca-cil-da!! Essa é uma realidade paralela na qual eu gostaria de morar!!

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