domingo, 6 de setembro de 2009
El Corazón Delator- A chegada de Breccia!!!
Henry James, o imenso autor de "A outra volta do parafuso", sabia o que fazia. Sua genial novela é um desses textos tremendos que vão e voltam, às vezes sem solicitação maior, na memória da gente. Pode-se dizer que é um dos raros casos de texto assombrado, em si; ele monta tal clima em cima de uma intriga tremenda, a partir da possibilidade de que as crianças da família rica estejam de fato vendo fantasma. A tensão com que os eventos se desenrolam vem de que também podem só estar ficando doidas, sim, as ditas crianças, e nada resolve essa ambiguidade; ao contrário, a incerteza domina o texto até o final. Mais ainda, porque o clímax da narrativa acontece fora da narração, e depois do fim, ainda por cima. A novela fecha com a espera da confirmação final da suspeita. Sustenta-se com essa ambiguidade acerca dos acontecimentos de um modo que assombra, numa tensão, num tal suspense, que não se desmontam. O que é que isso tem a ver com a fantabulástica adaptação de "The Tell-tale heart" ( " O Coração Revelador"), que tem duas páginas ilustrando o post de hoje e saiu dos talentos do imenso Alberto Breccia, o patriarca da majestosa hq argentina? Tudo!!! A adaptação de Breccia é obra prima muitíssimo aclamada, que tira boa parte de sua força do fato de que se concentra em alguns elementos do conto de Poe e ignora diversos outros outros. Trata-se, como é claro, de trabalho de desenhista brilhante, trabalhando num astral minimalista. E além disso, trabalho de grande roteirista, grande narrador que era esse mestre da arte sequencial. Tem a ver com texto de Henry James pela escolha de mostrar os momentos de incerteza no texto de Poe. A hq inteira se sustenta com ambiguidade milimetricamente estudada. Quase tudo que é acontecimento concreto ficou de fora. Ainda que fora só de um dado quadro, como durante o estrangulamento do velho. A hq estuda , enquanto mostra, a incerteza do mordomo quanto à hora adequada para afinal matar o pobre velho, por causa de que precisa de ver seu olho "estranho" pra tomar coragem. Também estuda a incerteza ("Será que eles vão perceber? Será que estão ouvindo o que eu ouço?") do mordomo assassino, quanto aos policiais que o visitam ouvirem os batimentos do coração enterrado sob o assoalho da sala, até perder a calma e se entregar... Estuda como?- direis. Bem, através de um recurso típico das hqs, a repetição e convivência, com mínimas alterações, de várias "mesmas" imagens! Elas sugerem o estado de limite a que chega a mente do pobre diabo que fala, insistindo que não é doido, nem ficou... O peso psicológico dessa repetição, junto com o das implacáveis massas de preto escolhidas por esse virtuose que também sabia assustar pra chuchu com meios tons( que o diga Lovecraft, a partir de cujos contos também realizou algumas obras primas em meio-tom), é imenso!!! Além disso, ele diagrama as páginas todas de modo muito semelhante, com seu uso magistral da grade de nove quadros, no que antecipa recurso de outro gigante da narração sequencial, Alan Moore, por pelo menos uns bons vinte anos. Esta grade de nove quadros, pra quem desenha uma pg, deve dar bastante trabalho, por oposição à grade mais clássica, de seis quadros. Porque se trata de detalhar muito mais do que quando se faz só seis quadros de tamanho grande, no mesmo espaço. Mas Breccia , além do mais, é Breccia. Sua incerteza expressiva se filtra pra dentro de nossos olhos a partir do fato de que, apesar de basear a sequencia narrativa na grade de nove quadros, é raro, na hq, realizá-la por completo, sempre sugerindo, contudo. Desse modo, estamos sempre confinados, mas nunca do mesmo jeito. O ritmo dos acontecimentos é seguro, mas irregular. Não se sabe ao certo o que os outros sabem, mas é certo que sabem algo de muito importante. Muita coisa no terror de Poe, que não deixa de ser romântico, vem dessa incerteza quanto à insanidade do narrador. É a esse traço que Breccia dedica aqui o melhor de seus esforços, e não aos detalhes da trama. Por isso é que, por mais que Corben seja grande desenhista e narrador, e adaptador, o trabalho superior, mesmo, é o de Breccia, o Alberto. Nuff said!!
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Olá, Carlos! Muito bacana seu blog. Favoritei aqui pra dar voltar mais vezes.
ResponderEliminarTb gosto muito de Poe. Tenho esse especial c/ a história O Retrato Oval, do Corben e outras histórias. Adaptações fantásticas. Acho que a garotada hoje em dia nem conhece e estão perdendo muito.
Essa adaptação do Breccia é mesmo mt boa (essa não tenho nem havia lido)
Abração,
Gilberto
Quis dizer: voltar mais vezes.
ResponderEliminarE parabéns pelo lançamento do "A Luneta Mágica".
Gilberto